Da Interpretação das Escrituras

Vejo que há muitas dificuldades na interpretação, especialmente quando falamos da Escritura. Por isso, uma pequena nota sobre a questão se faz necessária.

Vamos analisar um texto bíblico:

Mateus 5:13 — “Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.”

Hoje entendemos que o sal serve para temperar, mas alguns sabem (e outros não) que, antigamente, ele também era usado para conservar alimentos. Ainda assim, a interpretação do sal permanece óbvia dentro do nosso contexto. Mesmo sem o conhecimento da conservação, a ideia de temperar, de realçar o sabor, se mantém bem estabelecida e, com prudência e respeito pela Palavra, chegamos a uma compreensão correta.

Não há necessidade absoluta de entender cada detalhe histórico para captar a mensagem de Cristo. Por exemplo, o fato de o sal ser pisado refere-se ao costume de jogá-lo nas estradas quando já não tinha utilidade, pois, uma vez úmido ou usado, perdia seu valor.

Interpretar apenas pelo contexto histórico pode ser perigoso. Um tolo ou herege poderia afirmar que o texto sugere que podemos ser usados pelo mundo e depois descartados, algo que não tem nada a ver com a intenção original das Escrituras.

A possibilidade de múltiplas interpretações só existe dentro de limites bem definidos pelo próprio texto e seu contexto. Não devemos nos dispor a transformar a Palavra em um texto místico e subjetivo. Pelo contrário, nosso dever é observar com cautela o contexto, especialmente o textual, e, com sinceridade e pelo poder do Espírito, compreender o que a Escritura expõe.

A seriedade da Palavra de Deus não pode nos levar a aceitar ideias como as de Nietzsche, que defendia que a interpretação de um texto depende da experiência individual. A ideia de um autor é única e tem uma direção específica. Ainda que ele explore possibilidades, estas sempre estarão dentro dos limites que ele próprio determinou.

Por que a Escritura foi escrita e entregue aos cristãos? Porque Deus, em sua misericórdia, providenciou um texto-base para a vida cristã, o desenvolvimento da fé e o entendimento correto de como viver. Isso é repetido em muitos lugares da Escritura, como no Salmo 119 e em 2 Timóteo 3:16–17.

Assim, por que deveríamos interpretar a Escritura de maneira diferente do que ela se propõe? Nem sequer deveríamos cogitar tal heresia. A Palavra de Deus é para os seus filhos, ensinando-lhes como viver perfeitamente conforme a vontade divina.

Einstein e Newton tinham perspectivas distintas sobre o motivo pelo qual uma maçã cai da árvore ao invés de flutuar. No entanto, ambos concordavam em um ponto essencial: a maçã cai. Esse fundamento comum deveria nos ensinar algo. Se nos preocuparmos demais com interpretações esotéricas e simbologias ocultas, perderemos o essencial.

Isso não significa que não existam textos difíceis na Escritura, mas sim que, se seguirmos um método coerente de análise, a dificuldade se torna menor. Eis um guia simples para interpretar corretamente:

  1. Leia o texto
  2. Leia o contexto (o capítulo anterior e posterior, ou pelo menos o capítulo completo)
  3. Encha sua mente com textos bíblicos
  4. Analise nuances, temas e a direção do texto
  5. Escreva possíveis aplicações
  6. Verifique se essas aplicações contradizem o texto atual ou qualquer outro texto das Escrituras
  7. Se houver contradição, estude o texto aparentemente contraditório seguindo o mesmo processo
  8. Se não houver contradição, escreva uma explicação rápida de como os textos se conciliam
  9. Organize como irá aplicar esse ensinamento na vida e escreva tudo isso
  10. Pronto. Você fez o que a Escritura exige e, neste momento, és um verdadeiro bereiano

Alguns insistem: “O contexto é essencial para entender a Escritura”. Sim, e por isso eu recomendo que investiguem o contexto textual. Se quiserem um aprofundamento histórico, basta consultar um bom manual teológico. Ele ajudará? Muito. Mas sem ele você sobrevive? Com certeza. O problema é que nos falta fé para ler a Palavra e crer no que ela diz. Não confiamos no Espírito Santo.

Já me vi confuso diante de um texto e, após ler um material auxiliar, percebi que a resposta era óbvia. Eu havia manuseado a Escritura com preguiça e má vontade. Precisamos desenvolver autoridade bíblica, e isso significa estudar e esmiuçar as Sagradas Letras.

A Palavra está disponível para ser estudada. Podemos perder tempo com nuances inúteis, como Einstein e Newton (não que a ciência deles seja inútil, mas para nós cristãos é irrelevante nesse contexto), ou podemos ler a Escritura com maturidade, pensando profundamente e ruminando sobre o texto.

Se, depois de seguir esse método — que, quando bem feito, pode levar dias — , você ainda não entender um texto, busque auxílio. Agora, se você não concorda com o texto, vá se tratar biblicamente. Você pensa que é Deus? Pois bem, o inferno será sua casa eterna.

Não existe a possibilidade de negar a Escritura por orgulho. Se você discorda de um versículo, prove biblicamente que Deus não deu aquela ordem, revogou aquele método ou algo do tipo. Sua opinião não pode ser a base para interpretar algo tão sério quanto a Palavra de Deus. Pelo contrário, a Escritura deve ser a base do seu julgamento, e não você o juiz da Escritura.

Nosso ego se infla quando somos confrontados. Nos sentimos ofendidos quando algo nas Escrituras bate de frente com o conforto de nossa vida presente. Mas devemos fugir da carne e de suas inclinações, pois seguir nossa própria opinião é inútil e perigoso.

Pai dedicado e marido apaixonado, Orlando atua como teólogo elucidativo, aberto ao diálogo e à conversação, mas também firme na resposta às cosmovisões que não se submetem à Palavra de Deus. Sua vocação é articular a verdade bíblica de maneira clara, confrontando visões contrárias e edificando uma visão de mundo alicerçada nas Escrituras.

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