“Em sua essência, a teoria feminista tem presumido que existe uma identidade definida, compreendida pela categoria de mulheres, que não só deflagra os interesses e objetivos feministas no interior de seu próprio discurso, mas constitui o sujeito mesmo em nome de quem a representação política é almejada.” – Judith Butler
Meu objetivo aqui é tratar de forma objetiva como a Escritura encara essa questão, sem me estender em demasia, para que em outra oportunidade eu possa desmontar, ponto a ponto, essa ideologia maléfica. Já de início, precisamos firmar: o feminismo é uma ideologia. E, sendo assim, já se distancia radicalmente do cristianismo, pois as ideologias nada mais são do que religiões seculares — estruturas de pensamento que erigem um ideal como seu “deus”.
Cada ideologia formula um ideal absoluto, normalmente atrelado a pessoas ou grupos específicos. Define um culpado-opressor e uma vítima-inocente, propondo meios de eliminar o algoz da realidade. E, via de regra, os problemas que a ideologia se propõe a resolver são meias-verdades ou interpretações distorcidas da realidade, sobretudo da realidade social.
A estrutura é sempre a mesma: destruir a ordem criada por Deus e substituí-la por uma cosmovisão artificial, que enxerga tudo sob a lente dialética de opressor e oprimido.
Como bom escrituralista, prefiro analisar qualquer cosmovisão segundo a sua tripartição fundamental:
- Epistemologia: teoria do conhecimento (como sabemos e qual o fundamento do saber).
- Metafísica: teoria da realidade (o que é real e como a realidade funciona).
- Ética: teoria da ação humana (o que é certo e errado, como devemos agir).
Partindo dessa estrutura, como podemos definir o feminismo? Ele se alinha diretamente com o marxismo, o progressismo, a revolução sexual e o humanismo secular. São ideologias interconectadas, e muitos autores diriam que tudo se resume, no fim, ao humanismo.
Para ser específico, vou expor a formulação da cosmovisão feminista em seu primeiro aspecto:
Epistemologia feminista
A maneira como o feminismo entende o conhecimento é essencialmente materialista e empirista. Ele assume uma leitura behaviorista do ser humano: nosso conhecimento seria apenas produto da psicologia e da sociologia moldadas pelo sistema. Não enxergamos a realidade em si, mas apenas aquilo que o sistema nos condiciona a ver.
O problema é que essa visão se limita a isso. E mais: o feminismo propõe que essa alienação pode ser rompida de modo quase “mágico” quando alguém abraça a ideologia. O simples fato de se declarar “contra o sistema” já faria cair as escamas dos olhos, libertando-nos do opressor.
Essa epistemologia é falha, porque, se todos são engrenagens de uma máquina, o que permite que justamente algumas mulheres “iluminadas” percebam a engrenagem? O que lhes garante escapar do condicionamento universal?
Duas respostas possíveis aparecem:
- Experiência individual: a própria vivência poderia revelar o problema. Mas isso mina a tese da alienação total e, além disso, não resolve o dilema, pois experiências são limitadas, parciais e nunca absolutas. Logo, não há base epistemológica coerente.
- Seres iluminados: as feministas (teóricas e militantes) seriam portadoras de uma revelação especial que as liberta da cegueira. Mas, se isso for aceito, destrói-se o materialismo original e levanta-se outra questão: quem as iluminou? Se for um princípio transcendental, então o feminismo deixa de ser ciência e se torna uma religião — com textos canônicos e profetisas autoproclamadas. Se não for uma revelação genuína, resta apenas considerar que estamos diante de uma ilusão grotesca, seja por delírio humano, seja por engano demoníaco.
Em ambos os casos, o feminismo carece de fundamentos epistemológicos consistentes. Se repousa na experiência, é frágil e incoerente. Se repousa numa revelação “sobrenatural”, é falso e anticristão.
Metafísica feminista
Entendemos por metafísica a análise da estrutura essencial ou primeira da realidade. Esse ponto é crucial, porque se errarmos na visão metafísica, toda a construção seguinte — inclusive a epistemologia e a ética — será afetada. Uma visão metafísica distorcida gera interpretações arbitrárias e falsas da realidade.
No tópico anterior, ao tratar da epistemologia feminista, já toquei de forma indireta na metafísica. Isso porque a epistemologia é o reflexo do que se crê sobre a realidade, mas a metafísica é a estrutura em si, aquilo que torna possível compreender e organizar o conhecimento. Em resumo: compreendemos nossa metafísica a partir da epistemologia, mas só chegamos a uma epistemologia porque a metafísica sustenta a realidade. Por isso a chamo de estrutura primeira.
Mais adiante veremos como a metafísica cristã destrói por completo o feminismo. Mas, por ora, é necessário expor a metafísica feminista. Se deixarmos de lado a hipótese absurda de um feminismo como religião revelacional — algo que dificilmente até as próprias feministas sustentariam — veremos que, em essência, sua metafísica é materialista.
Aqui cabe um adendo: na prática militante, ideologias raramente se preocupam com formulações filosóficas profundas. Porém, o fundamento metafísico está sempre presente, mesmo que de modo implícito. Assim, ainda que feministas se digam cristãs ou pertençam a outras tradições, a contradição é inevitável. Mais cedo ou mais tarde, terão de escolher entre uma cosmovisão e outra, pois epistemologia e metafísica feministas jamais se sustentam junto ao cristianismo.
Voltando ao materialismo: trata-se de uma visão de mundo reducionista e imbecil. A realidade é reduzida ao que existe agora, sem transcendência, sem propósito maior. Acrescente-se a isso behaviorismo e evolucionismo — filhos diretos do materialismo — e temos uma vida resumida à sobrevivência, à busca de prazer e à adaptação técnica. Nesse quadro, não há sentido último, nem fundamento para valores. O ser humano não passa de um animal pensante que “teve sorte” na evolução.
Nessa visão, qualquer defesa ética ou normativa se torna contraditória. A realidade é amputada em sua própria estrutura, sustentada apenas pela ciência naturalista e suas teorias provisórias, que nunca passam de hipóteses. Nenhum materialista, e por consequência nenhuma feminista, é capaz de explicar coerentemente a ordem da realidade, a origem do conhecimento ou o fundamento de uma ação moral. Tudo se reduz ao pragmatismo: “vamos viver melhor se formos mais fraternos e menos desrespeitosos”. Mas isso não passa de subjetividade — tão frágil quanto o acaso que, segundo eles, criou o mundo.
Em última análise, feministas e materialistas se sustentam em especulação. Sua metafísica é nada vezes nada: hipóteses flutuantes que mudam a cada geração. Hoje a realidade tem um formato; amanhã, outro cientista reescreve as regras. É como dizer que minha caneta pode flutuar no ar se alguém elaborar uma hipótese que declare que ela não tem massa. Eis a “seriedade” dessa metafísica.
Ética feminista
Por fim, chegamos à ética. E aqui a falência é ainda mais evidente. A cosmovisão feminista, por sua incoerência epistemológica e sua pobreza metafísica, só pode desembocar no relativismo ético.
Relativismo este que já obriga muitas feministas a esconderem ou distorcerem escritos de suas próprias referências, como Simone de Beauvoir, que defendia a possibilidade de menores de 12 anos se envolverem sexualmente. Outras feministas chegam a assumir tais aberrações. Em ambos os casos, vemos a face real da ética feminista: não existe um fundamento objetivo para o certo e o errado.
Em termos gerais, a ética pode ser construída de duas formas:
- Sobre uma base sólida e imutável, que fornece princípios permanentes, nos quais as ações podem ser julgadas como certas ou erradas.
- Sobre uma base líquida e fluida, em que o próprio homem decide o que é lícito, levando a uma ditadura da maioria — ou do mais forte — sobre a definição de certo e errado.
O feminismo, inevitavelmente, cai na segunda opção. Seu relativismo gera paradoxos: na teoria, defendem “libertação”; na prática, não conseguem fundamentar por que pedofilia, violência ou qualquer outro ato poderia ser condenado. Se o critério é apenas humano e circunstancial, qualquer sociedade, em qualquer momento, pode redefinir o certo e o errado.
Assim, a ideologia se destrói. Ou as feministas assumem que a própria sociedade (incluindo o “machismo” que denunciam) define o padrão ético — e, portanto, precisam aceitar essa opressão como legítima — ou apelam ao Estado como árbitro moral. Mas se o Estado for “machista”, também terão de aceitá-lo. A única saída restante seria admitir uma revelação transcendente, o que já descaracterizaria completamente o feminismo e o submeteria ao juízo divino.
Não há salvação para a ética feminista. Assim como sua epistemologia e sua metafísica, sua ética é contraditória, vazia e destrutiva. O feminismo, como toda ideologia rebelde contra Deus, não pode produzir vida nem ordem, mas apenas caos e morte por onde passa.
Uma resposta cristã à questão
O cristianismo responde sem qualquer dificuldade a essa ideologia destituída de fundamentos, e melhor ainda: a cosmovisão cristã destrói, com o martelo de Deus (Jr 23:29), toda mentira criada, oferecendo solução real para os problemas que o feminismo diz enfrentar, mas nunca resolve.
O feminismo se apresenta como defensor das mulheres, mas — como já demonstrado — se uma mulher não deseja ser defendida pela ideologia, logo é taxada de alienada ao sistema, quando não de cúmplice ativa dele. Fica evidente, portanto, que o diálogo é impossível: um argumento circular, inútil, que apenas fomenta caos e transfere rótulos automáticos a qualquer opositor.
Em contraste, o cristianismo não sofre desse vazio epistemológico. Ele se ergue sobre um fundamento indestrutível: a Palavra de Deus, revelada ao homem e preservada nas Escrituras Sagradas. Este é o nosso axioma, o princípio inegociável. A partir dele temos garantias absolutas quanto à antropologia humana. A falácia “não se nasce mulher, torna-se mulher” é demolida de pronto, pois a Escritura afirma exatamente o contrário: Deus criou homem e mulher, cada qual com identidade ontológica definida.
Alguns objetarão que as bases bíblicas são infundadas para definir a mulher. Não há novidade nisso; a própria Escritura já antecipou essa oposição.
Romanos 1:18 – A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça.
Romanos 1:21 – Tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato.
Romanos 1:22 – Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos.
Romanos 1:23 – Mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis.
Romanos 1:24 – Por isso, Deus os entregou à imundícia, pelas concupiscências do seu coração, para desonrarem o corpo entre si.
Romanos 1:25 – Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo à criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém.
Romanos 1:26-27 – Por causa disso, os entregou Deus a paixões infames; porque até as mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro, contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a devida punição do seu erro.
Clareza mais cristalina é impossível. Não há como fugir de Deus e de sua revelação. O pecado cegou o homem, levando-o a trocar a verdade pela mentira, a criar ídolos e a corromper até mesmo a sua própria identidade. O resultado é a entrega de Deus às paixões infames, à confusão moral e ao relativismo dos próprios indivíduos.
O cristianismo, em contrapartida, oferece a resposta completa. Ele não apenas expõe o erro, mas dá solução real:
- Epistemologia cristã: Deus é a Verdade. Somente a revelação divina fornece o conhecimento fundacional para viver corretamente e compreender a sociedade. Sabemos que o homem é pecador e, por isso, estabelecemos princípios sólidos que restringem o mal e promovem o bem.
- Metafísica cristã: Deus é o Criador. O ser humano tem identidade ontológica definida pelo Senhor. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1:27). Aqui não há espaço para confusão: homem é homem, mulher é mulher.
- Ética cristã: a vontade de Deus é a norma moral absoluta. Não é o Estado, nem a maioria, nem a opinião de teóricas. A Escritura é clara: “As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor” (Ef 5:22).
“Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” (Ef 5:25).
Note: a Bíblia não fomenta tirania masculina nem revanchismo feminino, mas coloca ambos sob a cruz de Cristo. A ordem é de sujeição mútua (Ef 5:21), de amor sacrificial, de respeito e de honra. A Palavra de Deus quebra o ego de todos, homens e mulheres, e exige luta contra o pecado, não sua normalização.
Assim, o cristianismo não apenas responde ao feminismo: ele o pulveriza. Onde o feminismo gera divisão e caos, o evangelho gera unidade e paz. Onde o feminismo promove ódio e relativismo, a cruz estabelece amor e verdade.
“Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12:21).
Metafísica
O Senhor é o Senhor da realidade. Ele fomenta, movimenta, controla, guia e comanda toda a história, cada vida e cada ser humano existente. Só em Deus entendemos a essência da realidade e o modo correto de agir — não com medo paralisante, mas com temor diante do Deus justo que julga a todos. E, ao mesmo tempo, com alegria, porque o Senhor de tudo é tão real quanto a própria estrutura da realidade que Ele sustenta.
Não desejamos mudar o mundo contra o que Ele estabeleceu, mas sim destruir o mal que nós, pecadores, praticamos. Assim, com muito mais eficiência do que a insanidade materialista, o cristianismo traz justiça e paz onde quer que se estabeleça. E podemos viver em paz porque:
Cl 1:16 – Pois nele foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, soberanias, principados ou potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele.
Cl 1:17 – Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste.
Ef 1:11 – Nele, fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade.
Rm 11:36 – Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.
Ética
A ética feminista, construída no relativismo, jamais resolverá o dilema moral humano. Pode prometer igualdade, prosperidade ou libertação de opressores específicos, mas o mal sempre permanecerá. Todas essas lutas são apenas recortes distorcidos da realidade, alienantes e incapazes de lidar com a totalidade da condição humana.
Em contrapartida, a Escritura nos dá o caminho ético absoluto e coerente:
2 Tm 3:16-17 – Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.
A Bíblia não mascara a realidade. Ela expõe o ego humano como podre e perverso:
Ec 3:16 – Vi ainda debaixo do sol que, no lugar do juízo, havia maldade, e, no lugar da justiça, ainda havia maldade.
Is 13:11 – Castigarei o mundo por causa da sua maldade e os perversos, por causa da sua iniquidade; farei cessar a arrogância dos atrevidos e abaterei a soberba dos violentos.
Gn 6:5 – Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração.
Mas há resposta para esse mal em Cristo Jesus. Nele estão a cura e a reconciliação; na cruz, Ele levou nossos pecados. Em Cristo, as intrigas e divisões entre os homens encontram solução, pois nEle habitam a justiça e a verdade. Nada escapa aos Seus olhos, e Ele julgará toda iniquidade sem arrependimento.
Rm 5:21 – A fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor.
Conclusão
Que este pequeno estudo sirva para mostrar que o feminismo, como tantas outras ideologias, não passa de uma cosmovisão parcial e rebelde contra Deus. O Senhor, porém, é o Rei soberano, o justo Juiz, o Pai misericordioso. Somente nEle encontramos solução para os dilemas da sociedade e, acima de tudo, para a salvação da alma humana de sua podridão e escravidão ao diabo.
Que o Senhor use este material para a Sua honra e glória.

Pai dedicado e marido apaixonado, Orlando atua como teólogo elucidativo, aberto ao diálogo e à conversação, mas também firme na resposta às cosmovisões que não se submetem à Palavra de Deus. Sua vocação é articular a verdade bíblica de maneira clara, confrontando visões contrárias e edificando uma visão de mundo alicerçada nas Escrituras.